cap 6: o cúmulo
Tive de acompanhá-la até um bar que ficava no bairro do José Pinheiro, numa das ruas principais. Wesley havia se embriagado e estava desacordado. Já era tarde da noite e o bar iria fechar, então um funcionário decidiu ligar para alguém e o último contato que estava nas ligações discadas do celular dele era o de Lavínia.
Carreguei o policial militar muito mais alto e pesado do que eu até meu carro. Coloquei-o no banco de trás, onde ele permaneceu desacordado. Em seguida Lavínia sentou no banco do carona e fomos para sua casa.
O interior do veículo estava em total silêncio.
- Quer falar sobre isso? – A olhei brevemente.
Ela fitava a rua a nossa frente.
- Não. – Disse.
Ficamos em silêncio novamente.
- Eu só não entendo por que Wesley sempre faz isso comigo. – Sim, ela queria falar sobre isso.
- Não é a primeira vez? – Meu tom de voz estava tranqüilo, pois eu não queria que ela ficasse nervosa. – Já aconteceu antes?
Ela coçou a testa.
- Essa é a terceira vez. – Disse. – Cléber sempre o traz em casa quando ele bebe demais. Os dois são colegas de trabalho desde quando começaram o curso de policia. – Ela queria chorar. Eu podia perceber. – Wesley tem problemas com bebidas alcoólicas e não quer se tratar. Não sei como ele ainda trabalha na policia.
- Você já conversou com ele sobre essa possibilidade?
- Já cansei de tentar, Ian. – Ela sorriu ironicamente, enquanto algumas lágrimas escapavam de seus olhos. – Ele já chegou a me agredir uma vez.
O quê?
- E você não fez nada? – Meu tom de voz se alterou um pouco.
- O que queria que eu fizesse?
- Tomasse medidas severas. – Eu disse. – Você não pode permitir isso. Até que ponto ele vai chegar se você continuar passando a mão em sua cabeça? Isso é o cúmulo, Lina!
Ela enxugou as lágrimas.
- Eu não tive coragem de denunciá-lo. – Falou. – Não se faz o mal contra quem você ama. Eu o amo, Ian, e não quero que ele sofra.
Eu não acreditava no que estava ouvindo.
- E por causa disso vai deixá-lo machucar você? – Fui irônico. – Não posso deixar que um cara qualquer machuque você.
- E por que se importa tanto?
- Pelo mesmo motivo que você quer que eu não me envolva com a garota que conheci ontem. Quero proteger você. – Fui direto. – Somos irmãos de coração, lembra?
Lavínia ficou em silêncio.
- Eu sei disso. – Disse ela, depois de um tempo. – E agradeço sua preocupação, mas eu já estou resolvendo esse assunto. – Lavínia olhou para o banco de trás. – Wesley tem que mudar ou algo muito ruim pode acontecer com ele.
Não a olhei.
- É bom mesmo que você resolva isso ou eu mesmo irei tomar as providências necessárias para a solução desse caso. – Ameacei.
Ela me olhou.
- O que você pretende fazer, Ian? – Sua pergunta foi feita de maneira pouco calma. – Isso não tem a ver com você. Não quero que se envolva nisso. Estamos entendidos?
Fiquei em silêncio.
- Estamos entendidos? – Perguntou novamente.
Suspirei.
- Tudo bem. – Eu disse. – Mas você vai me prometer que vai resolver isso logo. E também que não vai permitir que esse idiota repita o que fez.
- Você é muito chato! Gosta de reclamar de tudo e acusar as pessoas que não fazem o que você acha que é correto. – Reclamou. – Mas tudo bem. Eu prometo.
- Ótimo!
Ficamos em silêncio novamente. Dessa vez permanecemos assim até o fim da viagem. Lavínia encarava a rua e eu estava atento na direção do carro. Nenhum dos dois quis quebrar o silêncio. Ela sabia que eu estava chateado com o que acabara de saber e eu sabia que ela estava triste demais com aquilo que aconteceu com o namorado.
Carreguei o bêbado safado até o quarto de Lavínia e o coloquei em cima da cama. Eu estava com tanta raiva dele que nem me preocupei em colocá-lo com cuidado na cama e acho que até a cabeça ele bateu na cabeceira... Mas Lavínia não estava vendo nada mesmo!
Saí do quarto.
- Já coloquei o bebê na caminha dele. – Fui irônico. – Posso ir agora?
Ela coçou a testa.
- Ian, eu sinto muito. – Seu tom de voz expressava arrependimento. – Eu não deveria ter falado com você daquela forma. Você me desculpa por isso?
Fiquei em silêncio.
- Nós somos amigos há muito tempo, Lina. – Falei. – Nunca brigamos por nada sério. As bobagens que causavam nossos desentendimentos sempre foram perdoadas. Agora que somos adultos temos que saber e entender o que o outro pensa e sente. – Não queria me prolongar muito, mas eu precisava deixar claro o que eu pensava. – Eu entendo que você ama Wesley e que não quer que ele sofra. Eu não concordo com algumas coisas que você faz, mas ninguém é perfeito. Então se eu tenho que dizer algo agora, eu só posso dizer uma coisa: pode contar comigo para qualquer coisa. Amigos não apontam o erro, mas lhe ajudam a consertá-lo.
Ela me abraçou.
- Obrigada. – Ela chorava. – Ainda bem que posso contar com você, porque estou sozinha agora. Minha mãe não pode me ajudar, pois vive doente e não pode sair lá de Fagundes porque trabalha. Minha irmã cuida dela, mas faz faculdade aqui e tem que se virar em trinta para dar conta de tudo. Não posso deixar o único emprego que tenho, pois vou morrer de fome. – Seu abraço era apertado. – Só tenho você, Ian. Você é o único com quem eu posso dividir isso.
Eu me sentia mal por ela.
- Quer que eu fique aqui essa noite?
- E seu encontro com a tal de Cássia? – Perguntou. – Vocês marcaram de jantar hoje.
Desprendi-me de seus braços.
- Ela vai entender se eu disser que minha irmãzinha precisava de ajuda com um problema de família. – Dei um meio sorriso. – Mas, se ela não entender e nunca mais falar comigo, eu vou para outro show de forró com você e encontro outra garota... Ou posso ser encontrado por ela, quem sabe.
Ela sorriu.
Enxuguei suas lágrimas.
- Se depender de mim, você nunca vai ficar sozinha. – Eu disse. – Eu sempre estarei aqui para ajudar você no que precisar, seja para coisas boas ou ruins. Tudo bem?
Ela me abraçou de novo.
- Obrigada.
Fiquei na casa de Lavínia até quando ela pegou no sono. Ficamos assistindo um filme, que era o que sempre fazíamos quando queríamos nos distrair. Ela gostava de ver comédias românticas, mas eu só queria que ela se divertisse e esquecesse um pouco todos os problemas que a rodeavam.
Lavínia era uma boa pessoa e não merecia sofrer.