O PENSAMENTO 
de Rayford Steele estava numa mulher 
que ele nunca havia tocado. Com seu 747 totalmente ocupado pelos 
passageiros, ligado no piloto automático, voando sobre o Atlântico para 
aterrissar às seis da manhã no aeroporto de Heathrow, em Londres, 
Rayford deixou por alguns momentos de pensar em sua família.
No
 começo da primavera, ele passaria um tempo com sua esposa e seu filho 
de 12 anos. Sua filha também estaria voltando da faculdade. Mas, por 
ora, com seu co-piloto tirando um cochilo, Rayford acariciava a 
lembrança do sorriso de Hattie Durham e sonhava com o encontro que 
tinham marcado.
Hattie era a chefe do serviço de bordo. Fazia já mais de uma hora que ele não a via.
Rayford
 costumava aguardar com certa ansiedade o momento de estar com sua 
esposa. Irene era atraente e bastante jovial e ativa, mesmo nos seus 
quarenta anos. Mas ultimamente ele se sentia como que repelido pela 
obsessão dela pela religião. Era tudo o que a interessava e do que ela 
falava.
Deus era importante para Rayford 
Steele. Ele até se sentia bem na igreja sempre que podia freqüentá-la. 
Mas, desde que Irene se apegou a uma congregação menor e passou a 
participar de estudos bíblicos semanais e de cultos em todos os 
domingos, Rayford começou a sentir-se deslocado e desconfortável. A 
igreja que ela freqüentava era daquelas que jamais pensavam o melhor 
sobre uma pessoa e a deixavam em paz. Os membros da igreja costumavam 
perguntar a Rayford, cara a cara, o que Deus estava fazendo em sua vida.
"Abençoando
 meu desempenho", respondia ele com um sorriso, o que parecia 
satisfazer-lhes, mas Rayford passou a encontrar cada vez mais desculpas 
para preencher seus domingos.
Rayford tentava 
convencer-se de que era a devoção de sua esposa a um pretendente divino 
que fazia a mente dele divagar. Mas sabia que a verdadeira razão disso era seu próprio instinto sexual.
Além
 disso, Hattie Durham era extremamente deslumbrante. Ninguém podia 
negar. O que mais o encantava era quando ela o tocava. Nada impróprio 
nada vulgar. Ela simplesmente tocava seu braço ao passar num lugar 
apertado ou colocava a mão suavemente em seu ombro quando ficava em pé 
atrás do assento dele na cabina.
Mas não era 
apenas o toque de Hattie que fazia Rayford gostar de sua companhia. Ele 
podia adivinhar pelas expressões dela, por sua postura, pela troca de 
olhares, que ela ao menos o admirava e respeitava. Se ela estivesse 
interessada em qualquer outra coisa, Rayford poderia apenas conjeturar. E
 foi o que fez.
Eles haviam passado algum 
tempo juntos, conversando durante um aperitivo ou jantar, às vezes com 
os companheiros de trabalho, outras, não. A reação de Rayford não tinha 
ido além de um leve toque de mãos, mas seus olhos captaram um olhar mais
 demorado de Hattie, e ele pôde apenas admitir que seu sorriso para ela 
representava algum progresso.
Talvez hoje. 
Talvez esta manhã, se a batidinha-código na porta não despertasse seu 
co-piloto, ele tentaria tocá-la quando ela viesse pousar a mão em seu 
ombro - de uma forma amigável, ele esperava que ela reconhecesse um 
passo, o primeiro da parte dele, visando a um relacionamento.
Essa
 seria a primeira vez que isso aconteceria. Ele não era nenhum puritano,
 mas nunca tinha sido infiel a Irene. Havia tido inúmeras oportunidades.
 Certa ocasião, sentiu-se culpado por ter-se envolvido numa troca de 
carícias na festa de Natal da companhia, mas isso tinha sido 12 anos 
atrás. Irene tinha ficado em casa, passando desconfortavelmente seu nono
 mês a carregar seu filho Ray Júnior no ventre.
Embora
 pudesse avançar o sinal, Rayford teve o cuidado de deixar a festa mais 
cedo. Ficou claro para Irene que ele estava ligeiramente alcoolizado, 
mas não suspeitou de qualquer outra coisa, não de seu virtuoso capitão. 
Ele foi o piloto que tinha tomado dois martínis durante uma paralisação 
por causa da neve, no aeroporto de O'Hare, em Chicago, e então, 
voluntariamente, desceu do avião quando o tempo clareou. Ofereceu-se 
para pagar a um piloto substituto, mas a Pan-Continental ficou tão bem 
impressionada que, em lugar de puni-lo, usou sua atitude como exemplo de
 auto disciplina e sabedoria.
Em duas horas 
mais, Rayford seria o primeiro a ver sinais do sol, uma luz mortiça e 
amarelo-cinzenta que indicaria o relutante alvorecer sobre o continente.
 Até então, a escuridão através da janela parecia ter quilômetros de 
espessura. Seus passageiros sonolentos tinham os quebra-luzes abaixados,
 travesseiros e cobertores nos assentos. Por enquanto, o avião era um 
quarto de dormir escuro e zunindo para todos, exceto para algumas 
notívagas errantes, as comissárias, e uma ou duas delas atendendo a 
algum chamado.
A questão naquela hora mais 
escura antes da alvorada era se Rayford Steele se arriscaria a um 
relacionamento diferente e excitante com Hattie Durham. Ele segurou um 
sorriso. Estava brincando? Iria alguém de sua reputação fazer qualquer 
coisa além de sonhar com uma bela mulher 15 anos mais nova? Ele não se 
sentia mais tão seguro. Se ao menos Irene não tivesse se metido nesse 
novo alçapão.
Será que isso esfriaria a preocupação dela com o fim do mundo, com o amor de Jesus, com a salvação das almas?
Depois, ela andou lendo tudo quanto lhe vinha às mãos sobre o Arrebatamento da igreja.
- Você pode imaginar, Rafe - disse ela, certa vez, exultante -, Jesus voltando para nos levar antes de morrermos?
- Sei, sei - respondeu ele, espiando por cima do jornal -, isso me mataria. Ela não gostou da brincadeira.
-  Se eu não soubesse o que aconteceria a mim - disse ela -, não falaria tanto sobre esse assunto.
-
 Sei com certeza o que me aconteceria - insistiu ele. -Eu morreria, 
sumiria, e fim. Mas você, naturalmente, voaria diretamente para o céu.
Ele
 não quis ofendê-la. Estava apenas gracejando. Quando Irene se afastou, 
Rayford a seguiu, puxou-a, fazendo-a voltar seu rosto para ele, e tentou
 beijá-la, mas ela agiu passiva e friamente.
- Vamos, Irene - disse ele. - Milhares não desmaiariam se vissem Jesus descendo para todas as pessoas boas?
Ela afastou-se chorando.
- Eu já disse a você e repeti. As pessoas salvas não são pessoa® boas, elas são...
-
 Apenas perdoadas, sim, eu sei - disse ele, sentindo-se rejeitado e 
vulnerável em sua própria sala de estar, e voltou para a sua poltrona e 
seu jornal. - Se isto faz você sentir-se melhor, fico feliz em saber que
 pode estar tão segura.
-  Eu apenas acredito no que a Bíblia diz - respondeu Irene.  Rayford
 encolheu os ombros. Ele queria dizer "Bom para você", mas não quis 
piorar a situação. Por um lado, invejava a confiança dela, mas, na 
realidade, não aceitava o fato de ser uma pessoa mais emocional, mais 
orientada pelos sentimentos. Ele não quis dizer-lhe isto, mas o fato era
 que se considerava mais brilhante - sim, ele se considerava mais 
inteligente. Ele acreditava em regras, sistemas, leis, padrões, coisas 
que podemos ver, sentir, ouvir e tocar.
Se 
Deus era parte de tudo isso, muito bem. Um poder mais alto, um ser 
amoroso, uma força por trás das leis da natureza, ótimo. Vamos cantar 
por isso, orar por isso, sentir-nos bem por nossa capacidade de ser bons
 para os outros, e cuidar da vida. O maior receio de Rayford era que 
essa fixação religiosa pudesse evaporar, como certas "ondas" em que ela 
se envolvera, como as vendas que fazia de porta em porta oferecendo 
produtos de limpeza ou de beleza, da academia de aeróbica, etc. Ela 
poderia sair por aí tocando a campainha das casas e pedindo licença para
 ler para as pessoas um ou dois versículos bíblicos. Em todo caso, ela 
sabia muito bem o que estava fazendo.
Irene 
havia se tornado uma genuína religiosa fanática, e de certo modo isto 
liberava Rayford para sonhar de olhos abertos e sem culpa com Hattie 
Durham. Talvez ele diria alguma coisa, sugeriria alguma coisa, daria a 
entender alguma coisa enquanto ele e Hattie caminhassem pelo aeroporto 
de Heathrow em direção à fila de táxis. Ou talvez antes. Ousaria 
declarar-se agora mesmo, horas antes de aterrissar?
Junto a uma janela na primeira classe, um escritor estava curvado sobre um laptop. Ele
 fechou o aparelho, com o propósito de voltar ao seu trabalho mais 
tarde. Aos trinta anos, Cameron Williams era o mais jovem dos 
articulistas do prestigioso Semanário Global. Era invejado pelos 
veteranos da equipe de redatores, mas os superava em condições 
idênticas, ou, então, a chefia de redação lhe atribuía a produção das 
melhores matérias jornalísticas do mundo. Tanto os admiradores como os 
seus detratores na revista o chamavam de Buck [potro], porque diziam que
 ele estava sempre escoiceando a tradição e a autoridade. Buck 
acreditava que vivia uma vida maravilhosa, tendo sido testemunha ocular 
de alguns dos eventos mais preponderantes da História.
Um ano e dois meses antes, sua matéria de capa de 1o de
 janeiro levou-o a Israel para entrevistar Chaim Rosenzweig, o que 
resultou no mais estranho acontecimento que jamais havia experimentado.
O idoso Rosenzweig tinha sido a escolha unânime como o "Fazedor da Notícia do Ano" na história do Semanário Global. A
 equipe da revista tinha costumeiramente de evitar que alguém notasse 
que se tratava de uma clara cutucada no "Homem do Ano", da revista Time. Mas
 Rosenzweig era o homem certo. Cameron Williams tinha entrado na reunião
 da equipe preparado para argumentar em favor de Rosenzweig e contra 
qualquer outra estrela da mídia que seus colegas indicassem.
Ele ficou surpreso quando o editor-executivo Steve Plank iniciou a conversa desta forma:
-  Alguém  deseja indicar  algum  estúpido  ou  uma pessoa  qualquer  em  lugar  do ganhador do Prêmio Nobel de Química?
Os membros da equipe principal trocaram olhares entre si, menearam a cabeça e fingiram que estavam começando a sair.
-  Vamos cair fora, a reunião terminou - disse Buck. - Steve, não estou forçando a barra, mas você sabe que eu conheço o cara, e ele tem confiança em mim.
-
 Vamos devagar, caubói - disse um rival, e depois se voltou para Plank. -
 Você agora está deixando Buck escolher o trabalho que quer?
- Talvez - disse Steve. - E se eu quiser?
-  Acho
 simplesmente que este é um caso técnico, um artigo científico - afirmou
 o concorrente de Buck. - Eu poria um redator de assuntos científicos 
nisso.
- E colocaria o leitor a dormir - retrucou Steve Plank.
-  Sejamos
 razoáveis, vocês sabem que o redator de matérias chamativas sai deste 
grupo. E esta não é uma matéria mais científica do que a primeira que 
Buck fez sobre ele.   Esta deve ser escrita de um modo que leve o leitor a conhecer o homem e compreender o significado de sua façanha.
-  Farei
 a indicação hoje - disse o editor-executivo. - Obrigado por sua 
disposição, Buck. Penso que todos os outros estão igualmente dispostos.
Expressões
 de ansiedade encheram a sala, mas Buck também ouviu palpites 
resmungados de que o loirinho [Buck] receberia o sinal verde, o que 
realmente aconteceu.
Tal confiança de seu 
chefe e a competição com seus colegas fizeram-no cada vez mais 
determinado a superar-se em cada tarefa. Em Israel, Buck ficou numa área
 militar e encontrou-se com Rosenzweig no mesmo kibutz, nos arredores de Haifa, onde o entrevistara um ano antes.
Rosenzweig
 era fascinante, sem dúvida alguma, mas foi sua descoberta ou invenção 
-ninguém sabia bem em que categoria enquadrá-lo - que o tornou na 
realidade o "Fazedor da Notícia do Ano".
O 
humilde personagem intitulava-se botânico, mas ele era de fato um 
engenheiro químico, formulador de um fertilizante sintético que 
transformou as areias do deserto de Israel para produzirem como se 
fossem uma estufa.
- A irrigação funcionou por várias décadas - disse o homem. - Mas ela só umedecia a areia. Minha fórmula, acrescentada à água, fertiliza a areia.
Buck
 não era um cientista, mas sabia o suficiente para abanar a cabeça 
diante daquela simples afirmação. A fórmula de Rosenzweig estava fazendo
 de Israel rapidamente a nação mais rica do mundo, muito mais lucrativa 
do que o oneroso petróleo de seus vizinhos. Cada centímetro de terra 
florescia, dando grãos e flores, incluindo produtos jamais concebidos 
antes em Israel. A Terra Santa tornou-se uma exportadora em potencial, a
 inveja do mundo, com desemprego praticamente zero. Todos os seus 
cidadãos prosperaram.
A prosperidade 
viabilizada pela fórmula miraculosa mudou o curso da história para 
Israel. Suprido de capital e recursos técnicos, Israel estabeleceu a paz
 com seus vizinhos. O livre comércio e o trânsito liberado a todos os 
países permitiram que todos os que amavam a nação tivessem acesso a ela.
 Só não houve acesso, porém, à fórmula.
Buck 
não havia sequer pedido a Rosenzweig que revelasse a fórmula ou o 
complicado processo de segurança que a protegia de qualquer inimigo 
potencial. O próprio fato de Buck ter sido hospedado pelos militares 
evidenciava a importância da segurança. A manutenção desse segredo 
assegurou o poder e independência do Estado de Israel. Nunca esse país 
desfrutara tamanha tranqüilidade. A cidade murada, Jerusalém, era agora 
apenas um símbolo, acolhendo todos aqueles que abraçam a causa da paz. A
 velha guarda acreditava que Deus havia recompensado a nação após 
séculos de perseguição.
Chaim Rosenzweig foi 
homenageado em todo o mundo e reverenciado em seu próprio país. Os 
líderes mundiais o procuravam, e ele era protegido por sistemas de 
segurança tão complexos como aqueles que protegiam os chefes de Estado. 
Por mais forte que Israel se tornasse com a glória recém-alcançada, os 
líderes da nação não eram tolos. Um Rosenzweig raptado e torturado 
poderia ser forçado a revelar um segredo que revolucionaria de modo 
semelhante qualquer país do mundo.
Imagine o 
que a fórmula poderia fazer se fosse alterada para funcionar nas vastas 
planícies árticas da Rússia! Poderiam tais regiões florescer, embora 
fossem cobertas de neve na maior parte do ano? Era esta a chave para 
ressuscitar aquela enorme nação após o malogro da União das Repúblicas 
Socialistas Soviéticas?
A Rússia havia se 
tornado uma gigantesca nação deprimida, com uma economia devastada e uma
 tecnologia ultrapassada. Tudo o que a nação ainda possuía era o poder 
militar, e cada marco poupado destinava-se ao armamento. E a troca dos 
rublos para marcos não havia sido uma transição pacífica para a belicosa
 nação. A modernização do mundo financeiro limitada a três principais 
moedas levou anos para se concretizar, mas, uma vez feita à mudança, a 
maioria ficou feliz com isso. Toda a Europa e a Rússia negociavam 
exclusivamente em marcos. A Ásia, a África e o Oriente Médio negociavam 
em ienes. A América do Norte, a América do Sul e a Austrália 
transacionavam em dólares. Um movimento visava a unificar mundialmente a
 moeda, mas as nações que um dia tinham aceitado com relutância a 
mudança consideraram inviável fazê-lo de novo.
Frustrados
 por sua incapacidade de tirar proveito da fortuna de Israel e 
determinados a dominar e ocupar a Terra Santa, os russos tinham lançado 
um ataque contra Israel no meio da noite. O assalto ficou conhecido como
 o Pearl Harbor russo, e, por causa de sua entrevista com Rosenzweig, 
Buck Williams estava em Haifa quando isso aconteceu. Os russos enviaram 
mísseis intercontinentais e bombardeiros MIG equipados com bombas 
nucleares à região. O número de aeronaves e ogivas tomou claro que sua 
missão era o aniquilamento.
Dizer que Israel 
tinha sido apanhado de surpresa, conforme Cameron Williams havia 
escrito, foi como dizer que a grande muralha da China era comprida. 
Quando os radares de Israel localizaram os aviões russos, eles já 
estavam quase sobre o país. O apelo dramático de Israel por ajuda de 
seus vizinhos imediatos e dos Estados Unidos foi simultâneo com sua 
interpelação para saber as intenções dos invasores em seu espaço aéreo. 
Enquanto Israel e seus aliados tentassem montar qualquer coisa parecida 
com uma defesa, estava claro que os russos levariam uma vantagem de cem 
para um.
Eles dispunham apenas de alguns 
momentos antes que a destruição começasse. Não dava mais para negociar 
qualquer coisa, nem apelos para uma divisão de riqueza com as hordas do 
Norte. Se os russos quisessem apenas intimidar e assustar, não teriam 
enchido o céu de mísseis. Os aviões poderiam retornar, mas os mísseis 
estavam armados e apontados para alvos.
Portanto,
 isso não era um espetáculo para a arquibancada, visando a levar Israel a
 humilhar-se. Não houve nenhuma mensagem para as vítimas. Não recebendo 
explicação para as máquinas mortíferas cruzarem suas fronteiras e 
descerem sobre o país, Israel era forçado a defender-se sozinho, sabendo
 muito bem que o primeiro ataque de bombas resultaria no seu 
desaparecimento virtual da face da terra.
Com 
sirenes estridentes de alerta e as estações de rádio e televisão 
enviando às possíveis vítimas aviso para se refugiarem nos frágeis 
abrigos que pudessem encontrar, Israel defendeu-se contra o que seria 
seguramente seu último momento na História. A primeira bateria de 
mísseis terra-e-ar de Israel atingiu os alvos, e o céu iluminou-se com 
bolas de fogo laranja e amarelo, o que certamente faria pouco para 
aplacar a ofensiva russa, contra a qual não havia defesa.
Aqueles
 que conheciam as disparidades e o que as telas de radar prenunciavam 
interpretaram as explosões ensurdecedoras no céu como sendo o massacre 
perpetrado pela Rússia contra Israel. Cada líder militar sabia o que 
estava sendo esperado - uma devastação total quando a fuzilaria 
atingisse o solo e cobrisse a nação.
Daquilo 
que ouviu e viu na área militar, Buck Williams sabia que o fim estava 
perto. Não havia como escapar. Mas, enquanto a noite ficava clara como o
 dia e as terríveis e ensurdecedoras explosões continuavam, nada sobre a
 terra foi atingido. O edifício tremia e ressoava. No entanto, 
continuava incólume.
Lá fora, à distância, 
aviões de guerra espatifavam-se no solo, abrindo crateras e espalhando 
fragmentos de explosões. Entretanto, as linhas de comunicação 
permaneciam abertas. Nenhum dos postos de comando foi atingido. Não 
havia relatos de baixas. Nada tinha ainda sido destruído.
Era
 aquilo uma espécie de brincadeira cruel? Seguramente, os primeiros 
mísseis de Israel alijaram os bombardeiros russos, e os mísseis 
explodiram numa altitude maior para evitar que o fogo causasse danos em 
áreas do país. Mas o que aconteceu com o restante da força aérea 
inimiga? O radar mostrou que a Rússia tinha com certeza enviado todos os
 seus aviões, deixando talvez muito poucos para a eventualidade de algum
 ataque contra ela. Milhares de bombardeiros desceram sobre as cidades 
mais populosas do pequeno país.
O ronco e os 
ruídos irritantes continuavam, as explosões eram tão aterradoras que os 
militares veteranos cobriam suas cabeças e davam berros de desespero. 
Buck sempre tivera o desejo de ficar perto das frentes de combate, mas 
seu instinto de sobrevivência estava a todo vapor. Ele sabia sem sombra 
de dúvida que morreria e começou a ter os pensamentos mais estranhos. 
Por que nunca se casou? Sobrariam restos de seu corpo para que seu pai e
 seu irmão o identificassem? Havia um Deus? A morte seria o fim?
Ele
 saiu do abrigo em que estava, surpreendido pelo ímpeto de chorar. Não 
esperava que a guerra fosse tudo isso. Imaginara-se espreitando as ações
 bélicas de um local seguro, registrando o drama na mente.
Após
 vários minutos no holocausto, Buck chegou à conclusão de que morreria 
quer estivesse fora ou dentro daquele posto. Não se tratava de desafio, 
mas de singularidade. Ele seria a única pessoa do posto que veria e 
saberia o que iria matá-lo. Caminhou em direção à porta na ponta dos 
pés. Ninguém o notou ou se preocupou em adverti-lo. Era como se todos 
tivessem sido condenados à morte.
Buck forçou a
 porta contra um forno em combustão, tendo de proteger os olhos da 
intensa claridade das chamas. O céu incendiara-se. Ele ainda ouvia 
aviões no meio dos estrondos e do ruído do fogo, e a explosão ocasional 
de um míssil provocara uma nova chuva de chamas no ar. Ele ficava 
aterrorizado e pasmo quando as grandes máquinas de guerra mergulhavam no
 solo de toda a cidade, estatelando-se e incendiando-se. Mas caíam entre
 edifícios, em ruas desertas e nos campos. Uma coisa qualquer atômica e 
explosiva subia com ímpeto em direção à atmosfera, e Buck ficou ali no 
calor, seu rosto formando bolhas e o corpo molhado de suor. O que estava
 acontecendo no mundo?
Em seguida, pedaços de 
gelo e granizos do tamanho de uma bola de golfe forçaram Buck a cobrir a
 cabeça com sua jaqueta. A terra tremeu e ressoou, atirando-o ao chão. 
Com o rosto contra os fragmentos gelados, ele sentiu a chuva caindo aos 
borbotões. De repente, o único ruído era o fogo no céu, que se 
enfraquecia à medida que era arrastado para baixo pela nevasca. Passados
 dez minutos de ruídos trovejantes, o fogo se dissipou, e bolas de fogo 
espalhadas bruxuleavam sobre o solo. O fogo desapareceu tão depressa 
como veio. O silêncio pairou sobre a terra.
À 
medida que nuvens de fumaça flutuavam e se desfaziam sob uma brisa 
suave, o céu da noite reaparecia com sua escuridão azulada, e as 
estrelas cintilavam pacificamente, como se nada de errado tivesse 
acontecido.
Buck retornou ao posto carregando 
no braço sua jaqueta de couro enlameada. A maçaneta da porta ainda 
estava quente. Dentro, os líderes militares choravam e tremiam. O rádio 
noticiava os relatos dos pilotos israelenses. Eles diziam que não 
conseguiram chegar ao espaço aéreo em tempo para fazer qualquer coisa, a não ser ficar olhando toda a ofensiva aérea russa parecendo querer auto-aniquilar-se totalmente.
Milagrosamente,
 nenhuma morte foi noticiada em todo o Israel. Em outras condições, Buck
 poderia ter acreditado que algum misterioso desacerto tivesse levado 
míssil e avião a destruir-se mutuamente. Mas as testemunhas disseram que
 tinha sido uma tempestade de fogo, acompanhada de chuva, granizo e 
tremor de terra, que anulara o esforço ofensivo.
Teria
 sido uma chuva de meteoros determinada divinamente? Talvez. Mas o que 
dizer de centenas e milhares de fragmentos de aço queimados, retorcidos,
 derretidos, arremessados contra o solo em Haifa, Jerusalém, Tel-Aviv, 
Jericó, e até em Belém - demolindo os antigos muros, mas não chegando 
sequer a arranhar uma criatura viva? A luz do dia revelou o massacre e 
denunciou a aliança secreta da Rússia com as nações do Oriente Médio, 
principalmente a Etiópia e a Líbia.
No meio das ruínas, os israelenses encontraram material que poderia servir como combustível  e  preservar   seus  recursos  naturais  por  mais  de   seis  anos.   Forças
 especiais competiam com falcões e abutres pela carne dos inimigos 
mortos, procurando enterrá-los antes que seus ossos fossem descarnados e
 a doença ameaçasse a nação.
Buck lembrava-se 
disso vividamente, como se tivesse ocorrido ontem. Se ele não estivesse 
lá e visto tudo aquilo, não acreditaria. Ele conseguiu mais do que 
precisava para levar o leitor do Semanário Global a comprar a 
revista. Editores e leitores tinham suas próprias explicações para o 
fenômeno, mas Buck admitiu que se tornou um crente em Deus naquele dia. 
Estudiosos judeus indicaram passagens da Bíblia que falavam acerca de 
atos de Deus destruindo os inimigos de Israel com tempestade de fogo, 
terremoto, granizo e chuva. Buck ficou estupefato quando leu Ezequiel 38
 e 39 a respeito de um grande inimigo do norte que invadiria Israel com a
 ajuda da Pérsia, Líbia e Etiópia. Mais impressionante ainda era o fato 
de as Escrituras profetizarem sobre armas de guerra usadas como fogo e 
soldados inimigos devorados por pássaros ou enterrados numa vala comum.
Amigos
 cristãos queriam que Buck tomasse a decisão de crer em Cristo, agora 
que ele estava tão claramente em afinidade espiritual com Deus. Ele não 
estava preparado para ir mais adiante, porém era certamente uma pessoa 
diferente e também um jornalista diferente desde então. Para ele, nada 
havia além da crença.
Com dúvidas sobre se 
deveria dar seqüência com alguma coisa explícita, o capitão-aviador 
Rayford Steele sentiu um impulso irresistível de ver Hattie Durham em 
seguida. Ele se livrou dos apetrechos e apertou o ombro de seu co-piloto
 ao sair da cabina de comando.
-  Estamos
 ainda no automático, Christopher - disse Rayford, enquanto o jovem 
piloto se aprestava e ajustava seus fones de ouvido. - Vou fazer o meu 
passeio da alvorada.
-  Para mim, não parece alvorada,  capitão - disse Christopher após ter piscado e umedecido os lábios.
-  Provavelmente faltam uma ou duas horas. De qualquer maneira, vou ver se alguém está acordando.
- Tudo bem. Se alguém estiver acordado, apresente-lhe minhas saudações.
Rayford suspirou e acenou com a cabeça. Quando abriu a porta da cabina, Hattie Durham quase colidiu com ele.
- Não precisa bater - disse ele. - Estou saindo.
A
 chefe do serviço de bordo puxou-o para o compartimento da cozinha, mas 
não havia paixão em seu gesto. Seus dedos pareciam garras na fronte de 
Rayford, e seu corpo estremecia no escuro.
- Hattie...
Ela
 o empurrou para trás contra o compartimento da cozinha, seu rosto bem 
perto do dele. Se ela não estivesse visivelmente aterrorizada, ele 
poderia desfrutar este gesto e retribuir-lhe com um abraço. Os joelhos 
de Hattie se dobravam enquanto tentava falar, e sua voz tornou-se um 
grito agudo e choroso.
- As pessoas sumiram - ela tentava dizer-lhe num sussurro, encostando a cabeça no peito de Rayford.
Ele agarrou seus ombros e tentou empurrá-la, mas ela insistia em permanecer encostada nele.
- O que você diz...?
Ela agora soluçava, seu corpo estava fora de controle.
- Muitas pessoas simplesmente se foram!
- Hattie, este é um avião grande. Eles devem ter ido aos sanitários ou...
Hattie
 puxou a cabeça de Rayford para baixo a fim de poder falar-lhe 
diretamente ao ouvido. Apesar do choro, ela claramente se esforçava por 
fazer-se entender.
- Estive em todos os lugares. Estou lhe dizendo: dezenas de pessoas sumiram.
- Hattie, ainda está escuro. Vamos encontrar...
- Não estou louca! Veja você mesmo! Em todo o avião, pessoas desapareceram.
- É uma brincadeira. Eles estão se escondendo, tentando...
-  Ray! Seus sapatos, meias, roupas, tudo foi deixado para trás. Essas pessoas foram embora!
Hattie
 soltou as mãos que mantinha sobre Rayford e ajoelhou-se choramingando a
 um canto. Rayford quis confortá-la, ajudá-la a examinar melhor, ou 
pedir que Chris o acompanhasse em todo o avião. Mais do que qualquer 
coisa, ele queria acreditar que Hattie estava com a mente perturbada. 
Ela devia saber disto melhor do que ele. Era evidente que ela de fato 
acreditava que haviam desaparecido pessoas do avião.
Rayford
 estivera sonhando de olhos abertos na cabina. Será que ainda estava 
meio dormindo agora? Ele apertou o lábio contra os dentes e fez uma 
careta de dor. Estava, portanto, acordado. Ele foi à primeira classe, 
onde uma senhora idosa estava sentada com espanto no olhar em direção ao
 nevoeiro da ante aurora, tendo em suas mãos o suéter e as calças de seu
 marido.
-  O que 
aconteceu? - perguntou ela. - Harold? Rayford examinou bem o ambiente da
 primeira classe. A maioria dos passageiros ainda estava meio dormindo, 
inclusive o jovem senhor junto à janela com seu laptop sobre a mesinha porta-bandeja.  Mas
 realmente alguns assentos estavam vazios. Quando os olhos de Rayford se
 adaptaram à pouca luminosidade, ele caminhou rapidamente para a escada.
 E começou a descer quando ouviu a mulher chamá-lo.
- Senhor, meu marido...
Rayford pôs o dedo junto aos lábios em sinal de silêncio e sussurrou:
- Já sei. Vou encontrá-lo. Voltarei logo.
Que absurdo! Pensou ele enquanto descia, ciente de que Hattie estava bem atrás dele. Vou encontrá-lo!... Hattie apoiava-se em seu ombro, e ele desceu mais lentamente.
- Devo acender as luzes?
-   Não  -  sussurrou  ele.   -  Quanto  menos as pessoas perceberem neste  momento, melhor.
Rayford
 queria ser forte, ter respostas, ser um exemplo para sua tripulação, 
para Hattie. Mas, quando chegou ao compartimento de baixo, percebeu que o
 restante do vôo seria caótico. Ele ficou assustado como os demais a 
bordo. À medida que inspecionava os assentos, quase entrou em pânico. 
Voltou ao cubículo que dividia os dois andares e deu um forte tapa na 
face.
Aquilo não era brincadeira, nem mágica, 
nem sonho. Alguma coisa estava terrivelmente errada, e não havia meio de
 sair correndo. Haveria bastante confusão e terror sem que ele perdesse o
 controle. Nada o havia preparado para uma situação como aquela, e ele 
seria a pessoa para quem todos olhariam. Mas para quê? O que ele poderia
 fazer?
Primeiro um, depois outro gritava ao 
perceber que seu companheiro de assento tinha sumido e que suas roupas 
ainda estavam ali. Eles choravam, berravam, pulavam de seus assentos. 
Hattie agarrou-se a Rayford por trás, envolveu-o com os braços e cruzou 
as mãos com tanta força em seu peito que ele mal conseguia respirar.
- Rayford, o que é isto? Ele afastou as mãos dela.
-  Ouça, Hattie. Tanto quanto você, não sei de coisa alguma. Mas temos de acalmar essas pessoas e ter os pés no chão.
Vou fazer alguma espécie de comunicação, e você e seu pessoal mantenham todos em seus assentos, entendido?
Ela
 assentiu com a cabeça, mas não via que as coisas estavam bem. Quando 
ele se esgueirou lateralmente por trás dela para subir depressa à cabina
 de comando, ouviu seu grito. É demais para acalmar os passageiros, pensou
 ele, enquanto se voltava rapidamente para vê-la de joelhos no corredor.
 Hattie pegou um paletó, uma camisa e uma gravata ainda intactas. As 
calças estavam aos pés dela. Apavorada, pôs o paletó próximo à fraca luz
 e leu o nome na etiqueta.
-  Tony!
 - exclamou ela, desesperada. - Tony se foi! Rayford arrebatou as roupas
 das mãos de Hattie e as jogou atrás da divisão entre os andares.  Ele a ergueu pelos cotovelos e a levou fora da vista dos passageiros.
-  Hattie,
 estamos a horas da aterrissagem. Não temos um plano para atender 
pessoas histéricas. Vou fazer um pronunciamento, mas você deve fazer o 
seu trabalho. Você pode?
Ela acenou afirmativamente, com um olhar vago, distante. Ele forçou-a a encará-lo.
- Você pode? - perguntou Rayford. Ela assentiu de novo.
- Rayford, vamos morrer?
- Não - disse ele. - Disto estou certo.
Mas
 ele não estava certo de coisa alguma. Como poderia saber? Ele 
preferiria enfrentar um incêndio num motor e até um mergulho 
incontrolável. Uma queda no oceano certamente seria melhor do que isso. 
Como poderia acalmar as pessoas no meio desse pesadelo?
A
 esta altura, manter as luzes da aeronave apagadas causava mais mal do 
que bem, e ele estava contente de poder dar a Hattie uma atribuição 
específica.
-  Não sei o
 que vou dizer - afirmou -, mas acenda as luzes para que possamos fazer 
um levantamento cuidadoso dos que estão aqui e dos que sumiram.  Em seguida, pegue mais daqueles formulários para declaração dos visitantes estrangeiros.
- Para quê?
- Apenas faça isso. Avise-os para se prepararem.
Rayford
 não sabia se tinha agido certo deixando Hattie a cargo dos passageiros e
 da tripulação. Enquanto subia em disparada os degraus, notou outra 
aeromoça voltando de um compartimento aos gritos e soluços. Por ora, o 
pobre Christopher na cabina era o único no avião alheio ao que se 
passava. Pior, Rayford disse a Hattie que, tanto quanto ela, não sabia 
nada a respeito daquela ocorrência.
A verdade 
aterradora era aquela que ele sabia muito bem. Irene estava certa. Ele e
 a maioria dos passageiros tinham sido deixados para trás.





