11/02/2013

#serie: Atemporal

Cap:11 Incerteza

    Fui me aproximando aos poucos, mas logo a avistei. Escondida em meio às árvores de garrancho que formavam uma espécie de tenda, lá estava Lavínia sentada no alto da pedra, vestindo as roupas que usava para trabalhar, mas com o rosto banhado em lágrimas. Sua maquiagem estava borrada, seus cabelos estavam soltos e sua expressão aparentava bastante tristeza. Meu coração pesou no peito naquele momento.
    Parei de frente a pedra.
- Eu sabia que iria te encontrar aqui.
    Ela assustou-se.
- Ian?
    A pedra era um pouco alta, talvez tivesse uns dois metros de altura. Ela sempre subia por uma inclinação que havia na lateral.
- Eu precisava falar com você... – Disse-lhe. – Sobre ontem.
    Lavínia desviou o olhar.
- O que aconteceu ontem não deveria ter acontecido.
    Caminhei até a inclinação da pedra e subi.
- E por que não? – Sentei-me ao seu lado.
 
    Ela não conseguia me encarar.
- Porque não podemos fazer isso. Somos amigos há muito tempo, Ian. – Falou. – E, além de tudo, acabei meu namoro com Wesley ontem e de maneira trágica. Não posso engatar com outro relacionamento assim tão rápido.
- Quem foi que disse que você não pode? – Eu continuaria insistindo até quando ela desistisse de resistir. – E não há nada de mal em levar nossa amizade a outro nível.
    Lavínia, finalmente, me olhou.
- Por que você só decidiu me propor isso agora? Por que não tentou me convencer que é melhor sermos mais amigos nove anos atrás quando fizemos a mesma coisa? – Eu já esperava por essa pergunta.
    Fitei o capim a nossa frente.
- Porque eu não sentia a mesma coisa antes. – Suspirei. – Eu não via você como mulher antes. Você era só minha Lina, a amiga para todas as horas. Mas ontem, quando vi o que Wesley fez com você, senti uma coisa que nunca senti por ninguém. E tudo triplicou de tamanho quando entrei em seu quarto e nos beijamos. Honestamente, eu queria ir além, Lavínia. E você estava tão vulnerável, tão frágil, que eu quis cuidar de você. Proteger você... De certa forma, me aproveitei de sua fragilidade, mas não foi intencional.
- Eu também quis, mas sei que não vou conseguir esquecer Wesley tão fácil.
- Não importa. – Afirmei. – Eu também passei muito tempo para esquecer Ana, mas consegui. Eu quero ajudar você. Independentemente de sua resposta agora, eu quero cuidar de você como sempre fizemos desde o dia em que nos conhecemos. Eu cuidei de você e você cuidou de mim. Foi sempre assim.
- Eu sei, mas ainda acho que é muito cedo para começarmos algo assim.
    Olhei para ela.
- Tudo bem. Não precisa ser agora. – Eu disse. – Mas, e se depois for tarde demais? E se depois você quiser e eu não quiser mais, como ficamos? – Estava sendo o mais sincero possível. – Não quero mais perder tempo, Lina. Eu amo você como minha amiga, como minha parceira para todos os momentos da vida, mas agora amo você como mulher. Nunca pensei que isso fosse acontecer, mas já que aconteceu quero compartilhar com você o que estou sentindo. Sempre confidenciamos essas coisas um ao outro, mas agora a situação se inverteu. Agora é você que me interessa não qualquer outra pessoa.
    Ela ficou em silêncio.
- Eu não tenho certeza. Não sei se amo você do mesmo jeito.
- O amor é um dos sentimentos mais incertos. Não sabemos o que é, nem como acontece, mas sabemos que ele existe. – Afaguei seu rosto. – Eu também não tenho certeza do que sinto, mas quero descobrir o que é. Mas, só posso descobrir com você. Dê-me uma chance, uma única, e prometo que vou lhe fazer a mulher mais feliz e completa do mundo.
- Esquecendo todas as sombras do passado?
- Todas elas. – Fui seguro e confiante em minha afirmativa. – Sem Wesley, Ana ou qualquer coisa que possa destruir nossa felicidade. Você será minha única, assim como serei seu único. Você é tudo o que eu quero. Você nunca vai saber se nunca tentar.
- Ainda não sei.
    Suspirei.
- Deixa de ser fresca e me beija logo. Eu sei que você quer isso tanto quanto eu.
- Tudo bem.
     Ela riu e puxou meu rosto de encontro ao seu. Eu imaginava o que ela estava passando. Se estivesse em seu lugar, talvez não tivesse a coragem de ficar com outra pessoa menos de vinte e quatro horas depois de acabar catastroficamente uma relação que perdurava há algum tempo. Mas Lavínia tinha mais coragem do que eu para coisas radicais. Lavínia conseguia controlar suas amarguras, e quando isso culminava, ela se isolava e procurava aquela pedra para chorar todas as suas chagas da vida.
    Embora ela estivesse vulnerável e, de certo modo, eu estivesse me aproveitando disso, Lavínia merecia alguém melhor do que Wesley e esse alguém poderia ser eu. Por que não? Sempre estive presente em sua vida, ajudando-a e protegendo-a de tudo e de todos, como um guardião. Alguma vez na vida eu mereceria uma recompensa. Lógico que antes eu não tinha essas segundas intenções com ela, mas agora eu tinha. Não queria mais ser só o irmão mais velho dela, eu queria ser aquela pessoa que é amigo, namorado, companheiro, amante e tantas outras coisas que essas músicas clichês falam.
    Ela tirou os lábios dos meus e fitou o capim a nossa frente.
- Por que isso está acontecendo? – Sua pergunta teve uma tonalidade séria, mas logo depois veio a ironia: – Você nem é tão bonito assim, nem forte demais, nem...
- Nem do tipo de cara que você sempre se envolveu. – Completei, interrompendo-a.
- É. – Ela riu.
    Também ri.
- Talvez seja isso, Lavínia. – Eu disse. – Somos totalmente opostos. Você gosta de sair e curtir a vida, enquanto eu prefiro ficar em casa vendo futebol ou ouvindo música. Você se formou em psicologia e eu em engenharia técnica. – Segurei sua mão. – Você parece ser durona e eu o idiota sensível, mas é totalmente o contrário. Você é a frágil e eu o que consegue suportar tudo calado. Somos assim. Um completa o outro.
- Será que podemos ir com calma? – Perguntou. – Sem muitas decisões precipitadas? Tenho que digerir tudo com calma. E não quero que você aposte muito em mim, estando no estado em que estou agora.
- Tudo bem. – Beijei sua mão. – Eu sei o quanto você gosta de Wesley, imagino o quanto você está sofrendo com tudo que aconteceu, e eu também preciso de um tempo para descobrir o que estou sentindo agora porque, honestamente, eu não faço idéia. As mulheres são melhores do que nós para lidar com os sentimentos. Elas sabem o que estão sentindo e como agir, mas eu não sei nem como tive coragem de falar tudo isso para você.
- Acho que é porque somos amigos há muito tempo. Sempre falamos abertamente sobre tudo. Nunca escondemos nada um do outro. – Disse ela. – Mas é importante agora irmos com calma. No momento estou precisando mais de um amigo do que de um namorado. Não é legal que nossa amizade se torne outra coisa logo agora, hoje.
- Entendo. Vamos com calma.
    Saltei da pedra.
- Vamos?  Você já falou com sua mãe hoje?
- Já. – Ajudei-a a descer da pedra. – Marcela foi pagar umas contas na cidade e eu decidi vir para cá. Minha mãe iria dormir mesmo.
    Dei um meio sorriso.
- Preferiu ficar sozinha aqui que na casa da sua mãe, não é? – Não foi realmente uma pergunta. – Eu conheço você, Lina. Aquela adolescente frágil que gostava de se isolar do mundo quando estava triste não mudou muito.
    Ela me abraçou.
- E o amigo babaca que sempre vinha se isolar junto dela, para enxugar suas lágrimas, também continua o mesmo.
    Uma lembrança súbita veio à minha mente.
- Sabe o que lembrei agora?
- O quê?
    Desprendi-me de seus braços e a olhei.
- De quando as pessoas ficavam comentando que vínhamos aqui para se esfregar dentro dos matos. – Comecei a rir. – Eram essas palavras que usavam, lembra? Se esfregar.
- Lembro. – Lavínia também riu. – Para nossa sorte nossos pais sempre acreditaram quando negávamos tudo...
    Saímos daquele lugar e voltamos para a parte povoada do Salvador. Foi bom estar ali, principalmente quando levamos a mãe de Lavínia para a casa de minha mãe e conversamos sobre coisas diversas, especificamente as coisas do passado. Lavínia riu e isso foi bom, porque sua mente recebeu uma dose de entretenimento. Ela não estava em seu carro, porque ele estava na oficina, então voltamos para Campina Grande no meu.
    No caminho de volta ela ficou pensativa.
- Quer ouvir alguma coisa? – Perguntei, no intuito de distraí-la.
    Lavínia me olhou.
- Tem Simone & Simaria? – Perguntou alegremente.
    Ainda estávamos na estrada de terra que liga o sítio ao centro.
- Não. – Respondi. – Mas tem um monte de CDs no cofre do carro. Se quiser dar uma olhada...
- Se eu não encontrar algo bom, eu juro que mato você. – Ironizou.
- Vou ligar para minha mãe e pedir que encomende meu caixão. – Ri. – Mas, para garantir que não haja nenhum crime, por que você não liga o rádio? Em alguma dessas rádios deve estar tocando algo que preste.
- Tudo bem.
    Lavínia ligou o rádio e ficou procurando uma música que lhe fosse de agrado. Ela tentou em quase todas as rádios e numa delas seus gostos foram satisfeitos. Estava tocando uma música dessas novas que sempre aparecem no mercado brasileiro para virar chiclete, e nem letra tem.
    Ela aumentou o volume e começou a cantar junto com a música.
- “Já não faz muito tempo que eu andava a pé. Não pegava nem gripe, muito menos mulher”. – E ela continuava cantando. – “Só comia poeira, não olhavam para mim. Um dia eu decidi. Eu vou sair daqui. Quem não tem dinheiro é primo primeiro de um cachorro...”
- Quem canta isso, pelo amor de Deus? – Arregalei os olhos.
    Ela riu.
- Israel Novaes e Gusttavo Lima. – Respondeu. – Vai me dizer que não conhece?
- Não. Eu não conheço.
- É inacreditável como você é desinformado das coisas, Ian. – Ela riu. – Slipknot não é a única coisa que existe no mundo para se ouvir.
- Mas não adianta ouvir uma coisa que não tem conteúdo.
- Quer discutir sobre música? – Perguntou, com certa ironia. – Nem estava tão disposta a falar mal das porcarias que você ouve, mas agora me deu uma vontade súbita.
    Eu ri.
- Comece. Também tenho os meus argumentos.
    Discutimos sobre os gostos musicais um do outro durante um bom tempo até que não agüentamos mais, e o assunto tornou-se chato. Lavínia não tocou mais no nome de Wesley e eu achei isso bom, pois não queria vê-la chorar mais uma vez por ele.
    Mas tudo foi em vão porque, logo que pisamos em sua casa, que ela entrou em seu quarto, o derramar de lágrimas começou.
    Ela me abraçou.
- Está vendo por que não quero me envolver com você agora, Ian? – Perguntou buscando consolo em meu peito. – Não quero ficar com você pensando em outro.
    Afaguei suas costas.
- Calma. – Falei. – Fique calma. Não se preocupe comigo. Eu entendo o que você está sentindo e já disse que não precisa decidir as coisas agora. Você tem que resolver sua vida com calma.
- Você sabe que vai durar muito tempo. – Alegou.
- Eu sei. Mas não importa. – Afirmei. – Eu espero o tempo que for necessário.
    Afastei-a de meu corpo e olhei bem no fundo de seus belos olhos.
- Escute-me: não adianta esperar mais de alguém que nunca teve nada a lhe oferecer. – Fui rude. Era o que Lavínia estava precisando. – Wesley nunca mereceu você e não será por uma burrada que ele fez que sua vida será destruída, tudo bem? Daqui para frente você vai me prometer que não irá derramar lágrimas em vão. Estamos entendidos?
    Ela balançou positivamente a cabeça.
    Lavínia me abraçou de novo.
- Quer que eu fique aqui outra vez? – Perguntei. – Se quiser, eu ligo para Doralice e digo que não vou voltar hoje.
- Você ficaria?
    Beijei o alto de sua cabeça.
- Eu faria qualquer coisa por você. – Eu ri: – Exceto, morrer... Ou gastar muito dinheiro.
    Ela riu.
- Obrigada. – Não foi uma ironia.

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