Cap:11 Incerteza
    Fui me aproximando aos poucos, mas logo a
avistei. Escondida em meio às árvores de garrancho que formavam uma espécie de
tenda, lá estava Lavínia sentada no alto da pedra, vestindo as roupas que usava
para trabalhar, mas com o rosto banhado em lágrimas. Sua maquiagem estava
borrada, seus cabelos estavam soltos e sua expressão aparentava bastante
tristeza. Meu coração pesou no peito naquele momento.
    Parei de frente a
pedra.
- Eu sabia que iria te encontrar aqui.
    Ela assustou-se.
- Ian?
    A pedra era um
pouco alta, talvez tivesse uns dois metros de altura. Ela sempre subia por uma
inclinação que havia na lateral.
- Eu precisava falar com você... – Disse-lhe. – Sobre ontem.
    Lavínia desviou o
olhar.
- O que aconteceu ontem não deveria ter acontecido.
    Caminhei até a
inclinação da pedra e subi.
- E por que não? – Sentei-me ao seu lado.
    Ela não conseguia
me encarar.
-
Porque não podemos fazer isso. Somos amigos há muito tempo, Ian. – Falou. – E,
além de tudo, acabei meu namoro com Wesley ontem e de maneira trágica. Não
posso engatar com outro relacionamento assim tão rápido.
-
Quem foi que disse que você não pode? – Eu continuaria insistindo até quando ela
desistisse de resistir. – E não há nada de mal em levar nossa amizade a outro
nível.
    Lavínia, finalmente, me olhou.
-
Por que você só decidiu me propor isso agora? Por que não tentou me convencer
que é melhor sermos mais amigos nove anos atrás quando fizemos a mesma coisa? –
Eu já esperava por essa pergunta.
    Fitei o capim a nossa frente.
-
Porque eu não sentia a mesma coisa antes. – Suspirei. – Eu não via você como
mulher antes. Você era só minha Lina, a amiga para todas as horas. Mas ontem,
quando vi o que Wesley fez com você, senti uma coisa que nunca senti por
ninguém. E tudo triplicou de tamanho quando entrei em seu quarto e nos
beijamos. Honestamente, eu queria ir além, Lavínia. E você estava tão
vulnerável, tão frágil, que eu quis cuidar de você. Proteger você... De certa
forma, me aproveitei de sua fragilidade, mas não foi intencional.
- Eu
também quis, mas sei que não vou conseguir esquecer Wesley tão fácil.
-
Não importa. – Afirmei. – Eu também passei muito tempo para esquecer Ana, mas
consegui. Eu quero ajudar você. Independentemente de sua resposta agora, eu
quero cuidar de você como sempre fizemos desde o dia em que nos conhecemos. Eu
cuidei de você e você cuidou de mim. Foi sempre assim.
- Eu
sei, mas ainda acho que é muito cedo para começarmos algo assim.
    Olhei para ela.
- Tudo
bem. Não precisa ser agora. – Eu disse. – Mas, e se depois for tarde demais? E
se depois você quiser e eu não quiser mais, como ficamos? – Estava sendo o mais
sincero possível. – Não quero mais perder tempo, Lina. Eu amo você como minha
amiga, como minha parceira para todos os momentos da vida, mas agora amo você
como mulher. Nunca pensei que isso fosse acontecer, mas já que aconteceu quero
compartilhar com você o que estou sentindo. Sempre confidenciamos essas coisas
um ao outro, mas agora a situação se inverteu. Agora é você que me interessa
não qualquer outra pessoa.
    Ela ficou em silêncio.
- Eu
não tenho certeza. Não sei se amo você do mesmo jeito.
- O
amor é um dos sentimentos mais incertos. Não sabemos o que é, nem como
acontece, mas sabemos que ele existe. – Afaguei seu rosto. – Eu também não
tenho certeza do que sinto, mas quero descobrir o que é. Mas, só posso
descobrir com você. Dê-me uma chance, uma única, e prometo que vou lhe fazer a
mulher mais feliz e completa do mundo.
-
Esquecendo todas as sombras do passado?
-
Todas elas. – Fui seguro e confiante em minha afirmativa. – Sem Wesley, Ana ou
qualquer coisa que possa destruir nossa felicidade. Você será minha única,
assim como serei seu único. Você é tudo o que eu quero. Você nunca vai saber se
nunca tentar.
-
Ainda não sei.
    Suspirei.
-
Deixa de ser fresca e me beija logo. Eu sei que você quer isso tanto quanto eu.
-
Tudo bem.
     Ela riu e puxou meu rosto de encontro ao
seu. Eu imaginava o que ela estava passando. Se estivesse em seu lugar, talvez
não tivesse a coragem de ficar com outra pessoa menos de vinte e quatro horas
depois de acabar catastroficamente uma relação que perdurava há algum tempo.
Mas Lavínia tinha mais coragem do que eu para coisas radicais. Lavínia
conseguia controlar suas amarguras, e quando isso culminava, ela se isolava e
procurava aquela pedra para chorar todas as suas chagas da vida.
    Embora ela estivesse vulnerável e, de certo
modo, eu estivesse me aproveitando disso, Lavínia merecia alguém melhor do que
Wesley e esse alguém poderia ser eu. Por que não? Sempre estive presente em sua
vida, ajudando-a e protegendo-a de tudo e de todos, como um guardião. Alguma
vez na vida eu mereceria uma recompensa. Lógico que antes eu não tinha essas
segundas intenções com ela, mas agora eu tinha. Não queria mais ser só o irmão
mais velho dela, eu queria ser aquela pessoa que é amigo, namorado, companheiro,
amante e tantas outras coisas que essas músicas clichês falam.
    Ela tirou os lábios dos meus e fitou o
capim a nossa frente.
-
Por que isso está acontecendo? – Sua pergunta teve uma tonalidade séria, mas
logo depois veio a ironia: – Você nem é tão bonito assim, nem forte demais,
nem...
-
Nem do tipo de cara que você sempre se envolveu. – Completei, interrompendo-a.
- É.
– Ela riu.
    Também ri.
-
Talvez seja isso, Lavínia. – Eu disse. – Somos totalmente opostos. Você gosta
de sair e curtir a vida, enquanto eu prefiro ficar em casa vendo futebol ou
ouvindo música. Você se formou em psicologia e eu em engenharia técnica. –
Segurei sua mão. – Você parece ser durona e eu o idiota sensível, mas é
totalmente o contrário. Você é a frágil e eu o que consegue suportar tudo
calado. Somos assim. Um completa o outro.
-
Será que podemos ir com calma? – Perguntou. – Sem muitas decisões precipitadas?
Tenho que digerir tudo com calma. E não quero que você aposte muito em mim,
estando no estado em que estou agora.
-
Tudo bem. – Beijei sua mão. – Eu sei o quanto você gosta de Wesley, imagino o
quanto você está sofrendo com tudo que aconteceu, e eu também preciso de um
tempo para descobrir o que estou sentindo agora porque, honestamente, eu não
faço idéia. As mulheres são melhores do que nós para lidar com os sentimentos.
Elas sabem o que estão sentindo e como agir, mas eu não sei nem como tive
coragem de falar tudo isso para você.
-
Acho que é porque somos amigos há muito tempo. Sempre falamos abertamente sobre
tudo. Nunca escondemos nada um do outro. – Disse ela. – Mas é importante agora
irmos com calma. No momento estou precisando mais de um amigo do que de um
namorado. Não é legal que nossa amizade se torne outra coisa logo agora, hoje.
-
Entendo. Vamos com calma.
    Saltei da pedra.
-
Vamos?  Você já falou com sua mãe hoje?
-
Já. – Ajudei-a a descer da pedra. – Marcela foi pagar umas contas na cidade e
eu decidi vir para cá. Minha mãe iria dormir mesmo.
    Dei um meio sorriso.
-
Preferiu ficar sozinha aqui que na casa da sua mãe, não é? – Não foi realmente
uma pergunta. – Eu conheço você, Lina. Aquela adolescente frágil que gostava de
se isolar do mundo quando estava triste não mudou muito.
    Ela me abraçou.
- E
o amigo babaca que sempre vinha se isolar junto dela, para enxugar suas
lágrimas, também continua o mesmo.
    Uma lembrança súbita veio à minha mente.
-
Sabe o que lembrei agora?
- O
quê?
    Desprendi-me de seus braços e a olhei.
- De
quando as pessoas ficavam comentando que vínhamos aqui para se esfregar dentro
dos matos. – Comecei a rir. – Eram essas palavras que usavam, lembra? Se
esfregar.
-
Lembro. – Lavínia também riu. – Para nossa sorte nossos pais sempre acreditaram
quando negávamos tudo...
    Saímos daquele lugar e voltamos para a parte
povoada do Salvador. Foi bom estar ali, principalmente quando levamos a mãe de
Lavínia para a casa de minha mãe e conversamos sobre coisas diversas,
especificamente as coisas do passado. Lavínia riu e isso foi bom, porque sua
mente recebeu uma dose de entretenimento. Ela não estava em seu carro, porque
ele estava na oficina, então voltamos para Campina Grande no meu.
    No caminho de volta ela ficou pensativa.
-
Quer ouvir alguma coisa? – Perguntei, no intuito de distraí-la.
    Lavínia me olhou.
-
Tem Simone & Simaria? – Perguntou alegremente.
    Ainda estávamos na estrada de terra que
liga o sítio ao centro.
-
Não. – Respondi. – Mas tem um monte de CDs no cofre do carro. Se quiser dar uma
olhada...
- Se
eu não encontrar algo bom, eu juro que mato você. – Ironizou.
-
Vou ligar para minha mãe e pedir que encomende meu caixão. – Ri. – Mas, para
garantir que não haja nenhum crime, por que você não liga o rádio? Em alguma
dessas rádios deve estar tocando algo que preste.
-
Tudo bem.
    Lavínia ligou o rádio e ficou procurando
uma música que lhe fosse de agrado. Ela tentou em quase todas as rádios e numa
delas seus gostos foram satisfeitos. Estava tocando uma música dessas novas que
sempre aparecem no mercado brasileiro para virar chiclete, e nem letra tem.
    Ela aumentou o volume e começou a cantar
junto com a música.
- “Já
não faz muito tempo que eu andava a pé. Não pegava nem gripe, muito menos
mulher”. – E ela continuava cantando. – “Só comia poeira, não olhavam para mim.
Um dia eu decidi. Eu vou sair daqui. Quem não tem dinheiro é primo primeiro de
um cachorro...”
-
Quem canta isso, pelo amor de Deus? – Arregalei os olhos.
    Ela riu.
-
Israel Novaes e Gusttavo Lima. – Respondeu. – Vai me dizer que não conhece?
-
Não. Eu não conheço.
- É
inacreditável como você é desinformado das coisas, Ian. – Ela riu. – Slipknot
não é a única coisa que existe no mundo para se ouvir.
-
Mas não adianta ouvir uma coisa que não tem conteúdo.
-
Quer discutir sobre música? – Perguntou, com certa ironia. – Nem estava tão
disposta a falar mal das porcarias que você ouve, mas agora me deu uma vontade
súbita.
    Eu ri.
-
Comece. Também tenho os meus argumentos.
    Discutimos sobre os gostos musicais um do
outro durante um bom tempo até que não agüentamos mais, e o assunto tornou-se
chato. Lavínia não tocou mais no nome de Wesley e eu achei isso bom, pois não
queria vê-la chorar mais uma vez por ele.
    Mas tudo foi em vão porque, logo que
pisamos em sua casa, que ela entrou em seu quarto, o derramar de lágrimas
começou.
    Ela me abraçou.
-
Está vendo por que não quero me envolver com você agora, Ian? – Perguntou
buscando consolo em meu peito. – Não quero ficar com você pensando em outro.
    Afaguei suas costas.
-
Calma. – Falei. – Fique calma. Não se preocupe comigo. Eu entendo o que você
está sentindo e já disse que não precisa decidir as coisas agora. Você tem que
resolver sua vida com calma.
-
Você sabe que vai durar muito tempo. – Alegou.
- Eu
sei. Mas não importa. – Afirmei. – Eu espero o tempo que for necessário.
    Afastei-a de meu corpo e olhei bem no fundo
de seus belos olhos.
-
Escute-me: não adianta esperar mais de alguém que nunca teve nada a lhe
oferecer. – Fui rude. Era o que Lavínia estava precisando. – Wesley nunca
mereceu você e não será por uma burrada que ele fez que sua vida será
destruída, tudo bem? Daqui para frente você vai me prometer que não irá
derramar lágrimas em vão. Estamos entendidos?
    Ela balançou positivamente a cabeça.
    Lavínia me abraçou de novo.
-
Quer que eu fique aqui outra vez? – Perguntei. – Se quiser, eu ligo para
Doralice e digo que não vou voltar hoje.
-
Você ficaria?
    Beijei o alto de sua cabeça.
- Eu
faria qualquer coisa por você. – Eu ri: – Exceto, morrer... Ou gastar muito
dinheiro.
    Ela riu.
-
Obrigada. – Não foi uma ironia.






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