04/02/2013

Atemporal

            Capítulo 5 – Crítica

    Acordei.
    Estava em minha cama, sozinho, e com uma dor de cabeça infernal. Quando abri os olhos e avaliei o quarto, assustei-me. Parecia que um furacão havia passado por ali. O chão estava coberto pelos papeis que usava em meu trabalho, meu abajur estava quebrado e até os lençóis estavam fora da cama. Santo Deus! O que havia acontecido?
   Levantei-me e fui procurar Cássia, mas não havia nenhum sinal dela. Entrei na cozinha e assustei-me mais ainda ao ver uma velha senhora atarracada cozinhando algo no fogão. Eu estava nu e ela virou-se bem no momento em que eu entrava.
- Valei-me minha Nossa Senhora! – Gritou. A panela que ela segurava caiu no chão. – Virgem Maria! O diabo se soltou!
    Peguei outra panela e cobri o dito cujo.
- Quem é a senhora? – Meu Deus! – E o que está fazendo aqui?
    Ela levou a mão ao peito.
- Meu nome é Doralice. O senhor colocou um anúncio no jornal dizendo que precisava de uma empregada. A moça que estava aqui me deixou entrar. – Explicou, tremendo. – Mas, se eu soubesse que o senhor é um tarado, não teria vindo. 
- Eu não sou um tarado. – Eu começava a me acalmar do susto que tive. – E não estava esperando que viesse hoje. Peço que me desculpe por isso. – Engoli em seco. – Vou por uma roupa e em seguida volto para conversar com a senhora sobre esse emprego.
    Eu não conseguia acreditar no que havia acabado de acontecer.
    Fui ao meu quarto e vesti uma roupa. Aquela foi à maior vergonha que já passei em minha vida. Mas eu sabia que ainda iria rir daquilo tudo, ou pelo menos esperava isso. Eu estava precisando de uma empregada e não queria causar uma má impressão na primeira que aparecesse, embora já houvesse feito isso.
    Quando retornei à cozinha, Doralice estava sentada numa cadeira.
- E então, podemos conversar agora?
    Fui muito paciente ao tentar convencer a mulher a ficar com o emprego. Ela parecia ser confiável e muito religiosa, talvez passasse confiança. Fiz uma entrevista calma e pouco demorada, mas que foi muito promissora. No entanto, naquele momento meu principal foco não era conseguir uma empregada, mas sim ouvir a opinião crítica de Lavínia sobre Cássia e tudo o que aconteceu na noite anterior. Queria saber se ela gostou da minha nova namorada.
- É óbvio que não gostei dela, Ian! – Gritou ela logo que fiz a pergunta.
    Estávamos em meu apartamento.
- Como você pode se envolver com uma garota que mal conhece e que se ofereceu como uma mercadoria? – Continuou. – As mulheres têm que se dar mais valor. O valor que os homens não lhes dão.
- Mas não foi você mesma que disse que eu precisava de uma noite com alguém?
- Eu disse. – Assumiu. – Mas você ligou para ela hoje, marcando um novo encontro.
    Eu estava sentado no sofá.
- É apenas um encontro, Lina. – Eu ri. – Não vai passar disso. Já perdi um turno de trabalho hoje. Os alunos estão bravos porque eu não avisei que iria faltar. E ainda mal consegui me concentrar no turno da tarde. Prometo que vou com calma dessa vez.
    Ela andava de um lado para o outro.
- Eu sei que você é muito calmo. – Disse ela. – Demorou quase oito anos para casar com Ana.
- Por que você está tão preocupada dessa vez? – Coloquei as mãos na nuca. – Só estou conhecendo alguém com quem posso me envolver ou não.
- Estou apenas tentando alertar você. – Falou. – Você é meu irmão de coração e não quero que sofra mais uma vez por causa de uma mulher que não merece um terço de seu sofrimento.
    Segurei sua mão e a puxei em direção a mim.
- E eu amo você por causa disso. – Eu disse. Ela se sentou ao meu lado. – Mas eu prometo que não vou cometer o mesmo erro. Se eu perceber que estou me envolvendo com alguém totalmente superficial, eu acabo tudo e saio ileso da confusão.
- Obrigada.
    Levantei-me.
- Bom, depois de sua análise crítica e psicológica de meu mais novo relacionamento, que tal tomarmos um pouco de sorvete? – Perguntei. – Confesso que fiquei inspirado quando fui a sua casa no dia em que me separei de Ana e comprei um pote de sorvete de cinco quilos também.
- Invejoso. – Acusou, com ironia. – Mas eu quero sim. E como a casa é sua, mas eu mando nela, eu mesma vou me servir.
- Legal. – Ri.
- Vamos... – Ela também se levantou.
     Seu telefone tocou.
- Minha sogra? – Ela parecia surpresa, mas atendeu mesmo assim. – Pode falar.
    A mulher do outro lado provavelmente lhe perguntou alguma coisa.
- Não. – Respondeu Lavínia, num tom de voz que começava a ficar preocupado. – Wesley me falou que iria para sua casa e que por isso não viria para a minha.
    Ela aguardou mais uma vez a pessoa do outro lado da linha falar.
- A senhora já tentou ligar para Cléber? Eles sempre saem para beber depois do trabalho.
    Dessa vez ela aguardou por menos tempo.
- Tudo bem. Eu ligo. Um beijo.
    Mal a ligação foi encerrada e Lavínia já mapeou alguma coisa em seu telefone.
    Franzi o cenho.
- O que houve?
    Ela não me olhava.
- Wesley falou que iria para a casa da mãe dele há duas horas e não chegou ainda. – Disse. – Ela está preocupada, porque liga para o celular dele e só cai na caixa postal.
    O celular de Lavínia tocou de novo.
- Alô? – Ela franziu o cenho enquanto ouvia com atenção. – Sim. Sou eu mesma. – Mais uma vez ela ouviu com atenção. Em seguida sua expressão tornou-se perplexa. – O quê?
por(vitoria silva)