Capítulo 14 – Tentação
Tomei café na casa de Lavínia mesmo. Ela
acordou cedo para fazer isso. Aí tive a confirmação de que estava me saindo
bem, e que Lavínia estava começando a gostar de mim da mesma forma que eu
gostava dela, pois ela nunca acordava cedo para fazer nada para ninguém que não
fosse ela mesma.
Fui de ônibus, pois meu carro estava na
oficina de um amigo meu. Passei em casa para pegar o material do curso e quando
saí de meu quarto e entrei na sala, Doralice veio falar comigo.
-
Ian, meu querido, eu queria conversar com você. – Havíamos desenvolvido uma
relação familiar durante aquele tempo que ela esteve em minha casa.
-
Pode falar. – Eu sorri.
-
Você está namorando agora, não é? – Perguntou. Eu ainda não havia falado com
ela diretamente sobre Lavínia. – Parece estar apaixonado.
- E
eu estou. – Eu disse. – Mas só queria conversar com você sobre isso quando meu
namoro se firmasse e agora eu sei que está firme. Minha namorada é aquela amiga
minha que veio aqui há algum tempo. Você ainda lembra?
-
Lavínia?
Balancei positivamente a cabeça.
- E
como eu poderia esquecer aquela moça tão educada e simpática, Ian? – Disse ela.
– Faço muito gosto desse seu namoro, mesmo sem conhecer aquela menina direito.
-
Somos amigos há muito tempo, sabe. – Coloquei minha pasta entre nós dois. – Mas
agora é tudo diferente. Eu a vejo de outra forma... Uma forma diferente.
Doralice segurou minha mão.
-
Isso é amor, meu filho. – Seu afago lembrou-me minha mãe. – Quando encontramos
a pessoa que amamos, mesmo que ela já esteja ali há muito tempo, nós a
percebemos de outra forma. De uma forma apaixonada.
Suspirei.
-
Você já se apaixonou alguma vez, Dora?
- Pior
que já, viu. – Ela riu. – E o ruim é que ele não sentia a mesma coisa.
- E
o que você fez?
- E
eu ia fazer o quê? – Doralice falou de um jeito engraçado. – Eu tive foi que
agüentar o nó na minha goela. Aquele homem me deixava doida. Era um fogo que
ardia queimando meu peito. O rosto dele não saía de minha cabeça, parecia até
que eu não pensava em outra coisa.
Eu ri.
- Eu
sinto quase a mesma coisa, Dora. – Só que numa descrição menos feminina. – E,
demorou pra aquela menina se render, viu.
-
Você acha que agora ela sente o mesmo?
Suspirei e fitei o vazio.
-
Honestamente, eu não sei. – Eu disse. – Mas ela mudou. Antes o ex-namorado dela
era muito bem lembrado, mas hoje o nome dele nem é pronunciado mais. – A olhei.
– Acho que agora ela percebeu que nossa amizade mudou e que passou a ser um
namoro.
Doralice afagou meu rosto.
-
Toda mudança é bem vinda. Se essa sua amiga Lavínia for à mulher de sua vida,
lhe garanto que tudo o que você investiu nela será pago em dobro. – Escutei
atentamente suas palavras. – Você é uma boa pessoa, Ian. E Lavínia é uma
sortuda por estar tendo essa oportunidade. Mas, vou lhe dar um conselho: não se
entregue de uma vez. Vá enraizando aos poucos e quando ela perceber não vai mais
conseguir se afastar de você, só aí você deve ser completamente dela. Quando
tiver certeza de que o que os dois sentem é verdadeiro.
Beijei a mão dela.
-
Obrigado. Vou seguir seu conselho. – Olhei em meu relógio. – Desculpe-me,
Doralice, mas vou precisar ir agora.
Levantei-me.
-
Tudo bem. Vá com Deus, meu filho.
Saí de casa e fui trabalhar. O que Doralice
falou teve certo peso em minha consciência. Talvez eu estivesse indo rápido
demais com Lavínia e estivesse me prejudicando de certa forma. Ela ainda não me
queria do mesmo jeito que eu a queria, só estava começando. Talvez, se eu
desacelerasse o ritmo, ela poderia decidir o que queria mais rápido e sem
pressão.
De qualquer forma, fui trabalhar. Depois
que entrei na sala de aula tentei esquecer a vida pessoal e focar apenas no
conteúdo a ser aplicado. A turma da manhã era formada apenas por garotas. As
mesmas que se inscreveram no curso no mês de agosto. Elas me olhavam
atenciosamente enquanto eu explicava o que poderiam fazer quando estivessem
trabalhando numa área que exigisse amplo conhecimento informático. Chegava a
ser estranho ver aquele bando de meninas me encarando. Não parecia normal. Elas
tinham um brilho diferente no olhar. Era muito estranho.
Liberei a turma mais cedo, pois concluí o
conteúdo rápido e a atividade teórica havia sido respondida antes do previsto.
Retirei minha camisa e fui consertar um computador que estava quebrado,
enquanto chegava o horário de almoço, quando uma de minhas alunas voltou. Era
Emilly, a garota alta, magra e de pele parda que falou comigo no dia da
inscrição.
Assustei-me quando ela entrou na sala.
Tentei pôr a camisa, mas ela estava longe de mim.
-
Desculpa, professor, eu esqueci meu caderno. – Disse.
-
Tudo bem. – Eu ri.
Ela pegou o caderno, mas antes de sair veio
até onde eu estava.
-
Professor, quando nós vamos usar os computadores nas aulas? – Perguntou.
-
Acho que logo. – Eu disse. – Pelo ritmo que vocês estão indo, eu vou concluir o
curso antes do previsto. Parabéns para sua turma.
Ela aproximou-se mais.
-
Mas eu não queria concluir o curso antes do tempo. – Falou. – É bom estudar
aqui.
Larguei o que estava fazendo por um
instante.
- É
bom ouvir isso de você, Emilly. – Sorri. – Um elogio desse vindo de uma aluna
exemplar como você é muito importante para mim. Obrigado.
- É
a verdade, professor. – Emilly aproximou-se mais ainda e ficamos um de frente
para o outro. – Eu gosto dessa turma... E do professor também.
Ela praticamente me agarrou. Foi rápido
demais e não tive como impedir antes que acontecesse. Que droga! Emilly me
beijou. Mais uma vez eu estava sendo vítima de uma de minhas alunas, mas
nenhuma foi tão direta como ela. Meu Deus! Meu Jesus! Por que aquilo tinha que
acontecer justamente comigo?
Interrompi o beijo, que não durou mais que
cinco segundos.
-
Você não deveria ter feito isso! – A afastei de mim. – É errado.
-
Para quem é errado? – Ela tentou me puxar de novo.
Impedi.
-
Para mim. – Falei. – Eu não posso fazer isso. Preciso e quero respeitar a
pessoa com quem estou agora. Não posso fazer isso com ela e nem com você. – Eu
tremia. – Você é minha aluna e somente isso.
Ela afastou-se um pouco de mim.
-
Tudo bem. Quem sabe no futuro. – Emilly parecia estar envergonhada. – Eu sinto
muito, professor. Eu... Eu vou embora... Eu sinto muito.
Emilly saiu meio desorientada da sala. Eu
fiquei preocupado e confuso. Que porcaria! Nenhuma aluna havia feito uma coisa
dessas antes e eu não sabia como reagir. Se fosse há dois meses, eu não teria
resistido àquela tentação. Emilly era bonita e eu um homem que necessitava de
garotas bonitas. Mas agora eu estava comprometido e Lavínia merecia respeito,
embora não fosse tão fácil resistir.
Decidi não almoçar em casa naquele dia. Peguei
o carro na oficina e, fui a um restaurante qualquer e sentei numa mesa. Talvez,
eu estivesse nervoso demais para almoçar em casa, e encarar a terceira pessoa
que mais me conhecia: Doralice.
Logo que sentei a mesa, uma garçonete veio
me atender.
- O
que o senhor deseja? – Seu tom de voz estava estranho. Talvez, educado demais.
Olhei para ela e arregalei os olhos. Era
Cássia.
-
Deus do céu! – Exclamei assustado.
-
Calma. – Ela riu. – Parece até que viu fantasma, Ian.
Recompus a expressão.
-
Desculpa. – Falei. – Há quanto tempo você trabalha aqui?
-
Dois meses. – Respondeu. – Foi por causa desse emprego que me inscrevi
justamente no seu curso de computação. É próximo daqui e, saindo de lá, venho
diretamente para cá.
-
Que bom. Mas será que você pode me dar uma sugestão do que pedir? – Dei um meio
sorriso. – Estou varado de fome.
Ela apontou para uma das opções do
cardápio.
- O
prato que mais está saindo aqui é esse, mas é porque é mais barato. – Disse. –
Se você quiser comer algo bom, sem pensar em quanto vai gastar, sugiro que opte
por este prato. – Cássia apontou para um prato bem mais caro.
Eu ri.
-
Pode trazer. – Eu disse. – O atendimento daqui é tão bom que eu vou ficar com
uma das opções mais caras.
-
Obrigada. – Ela anotou meu pedido e se retirou.
O restaurante estava praticamente vazio.
Além da minha, apenas mais três mesas estavam ocupadas. O preço não era muito
barato e talvez esse fosse o motivo da falta de clientes, mas não chegava a ser
um restaurante caro.
Ainda me incomodava pensar no que havia
acontecido naquela manhã. E o pior era que eu queria contar a Lavínia, mas
sabia que ela não entenderia. Tinha medo de que ela me atropelasse como fez com
um namorado que lhe traiu uma vez. Mas, tecnicamente, eu não a traí. Foi Emilly
que me beijou e eu não tinha culpa. Mas, de qualquer forma, eu estava
preocupado. As mulheres nunca irão entender o ponto de vista masculino.
Minutos depois, Cássia voltou com o meu
pedido.
-
Não quer almoçar comigo? – Perguntei.
-
Não posso. Estou trabalhando.
Dei de ombros.
- E
vai servir a quem agora? Às moscas? – Ironizei.
Ela riu.
-
Minha supervisora vai me demitir. – Alegou.
-
Mande-a vir falar comigo então. – Eu disse, sorrindo.
- Eu
já almocei.
-
Então me faça companhia.
Ela bufou e se sentou ao meu lado.
-
Você é muito chato! – Cássia estava sendo irônica. – Mas por que está
insistindo tanto?
Peguei garfo e faca.
-
Por nada. – Respondi. – Só quero companhia para almoçar... E para conversar. –
Comecei a comer. – Como vai a sua vida?
-
Bem, eu acho. – Disse ela. – Consegui esse emprego, entrei no curso de
computação para conseguir outro emprego e agora não estou mais morando com meus
pais... Talvez eu tente fazer faculdade.
-
Você quer se formar em quê?
Ela suspirou.
-
Medicina veterinária. Mas esse sonho está distante de se realizar.
Balancei negativamente a cabeça.
-
Seu sonho só está distante se você não lutar por ele. – Contestei. – Você é
corajosa e determinada, Cássia. Vai conseguir realizar o que quer.
- Eu
queria ter a mesma certeza que você tem.
-
Você pode ter se quiser. – Eu disse. – Mas não desista. Confie em Deus e lute.
Às vezes, dar a cara a tapas é melhor do que ficar parado e não conseguir nada.
-
Você tem tanta certeza dessas coisas. Já deu sua cara a tapas?
Eu ri.
-
Poucas vezes. – Respondi. – Mas não me arrependo de nenhuma delas, pois todas
trouxeram grandes conquistas. Coisas que não conseguiria se ficasse esperando
que elas viessem até mim. Eu lutei e consegui.
Cássia fitou o chão.
- Às
vezes me arrependo de ter deixado você, Ian. – Meu Deus! Estava demorando! –
Fui muito idiota por ter interrompido nosso relacionamento porque você não pode
jantar comigo.
-
Mas a vida é feita de escolhas, Cássia. – Falei. – Não adianta se arrepender
depois que passou. Nem todos os erros podem ser consertados, ainda mais se o
outro seguiu em frente.
-
Você seguiu em frente?
Balancei positivamente a cabeça.
-
Sim. E, acredite, se eu fosse você, faria o mesmo. – Não quis ser grosso, mas
precisava cortar aquele assunto antes que fosse beijado outra vez. – Não estou
desmerecendo você, nem cogite isso, mas encontrei uma pessoa com quem pretendo
construir alguma coisa.
Ela me olhou.
-
Então eu desejo tudo de bom a você. De verdade. – Cássia sorriu. – Você é uma
boa pessoa, é um ótimo professor, beija bem... – Ela riu. – Quem está com você
é uma sortuda. Você merece ser feliz, Ian. Muito feliz.
-
Obrigado.
-
Mas se um dia ela te deixar, ou algo separar vocês, e você precisar de alguém
pode me procurar. Eu posso ser o que você quiser que eu seja. – Disse.
Arregalei os olhos.
-
Obrigado?
Ela riu.
- É
só uma hipótese. – Explicou. – Temos que levar em conta todas as suposições,
boas ou ruins. Mas o que eu estava tentando dizer é que eu vou estar sempre
aqui para você, como amiga ou como outra coisa. Quem decide é você.
Afaguei sua mão.
- Eu
entendi o que você quis dizer e agradeço, mas não me espere. Não pretendo me
separar dela agora, nem nunca. Estamos felizes juntos.
-
Tudo bem. Eu entendi.
Uma mulher aproximou-se de nós. Ela era
bonita, não muito alta e possuía cabelos escuros, pele parda e usava roupas com
o slogan do restaurante. Talvez ela não tivesse mais que trinta anos, mas só
talvez.
-
Cássia, nós estamos precisando de você na cozinha. – Disse ela.
Cássia me olhou.
- Vou precisar ir, Ian. Foi um prazer conversar com você.
Até amanhã.
- Igualmente. – Dei um meio sorriso. – Obrigado pela
companhia.
Cássia acompanhou
a mulher e depois não a vi mais. Conversar com ela foi bom, tranqüilo, sem peso
na consciência e sem beijos roubados. Ela provou que queria mais que minha
amizade, mas não se afastaria de mim somente porque eu não sentia o mesmo.
Acabei de almoçar
e pedi a conta. Já não foi mais Cássia que veio me atender, mas outra
garçonete. Fiquei preocupado, pois talvez seu emprego tivesse sido prejudicado
por minha causa, mas não a procurei para tirar minha dúvida. Estava quase no
horário das aulas do turno da tarde e eu precisava me apressar.
Saí dali e fui
diretamente para o curso. Não passei em casa. O material já estava todo em
minha sala.
Agora a questão
era contar a Lavínia ou não sobre o que aconteceu comigo e Emilly. Eu não
estava com medo de contar, pois sabia que não tinha culpa. Eu estava com medo
da reação dela. Talvez ela não entendesse que eu não tinha culpa. E era
realmente o que iria acontecer. Eu conhecia Lavínia. Sabia que ela não aceitava
nenhum tipo de traição. E era por isso que eu iria tentar explicar que eu só tecnicamente a traí, antes que ela me
matasse. Não seria a coisa mais fácil do mundo, e talvez eu precisasse apelar
pela nossa amizade, mas não custa tentar, não é? Não. Não é.
Lavínia iria me
matar. E seria muito doloroso.
atom(victoria silva)
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